Opinião - Arthur Oliynik

Rodrigo Manga: O Brasil Ainda Cai no Velho Patrimonialismo de Rosto Novo
Quando o escândalo vira conteúdo: a reinvenção do patrimonialismo no Brasil digital

Havia uma época em que o patrimonialismo brasileiro usava terno, bigode e favores em envelopes discretos. Era o político do cafezinho com empreiteiro, das indicações no Detran, das obras pela metade que inauguravam praças antes da eleição. Hoje, a estética mudou. O figurino trocou o paletó por camiseta polo, o palanque por ring light, e os discursos por dancinhas no TikTok. Mas o enredo? Continua sendo o mesmo.
Rodrigo Manga é o exemplo mais recente — e talvez mais didático — de como o Brasil ainda se encanta com o velho teatro da política, desde que ele venha maquiado de entretenimento. Prefeito de Sorocaba, Manga tem milhões de visualizações, fãs que o tratam como celebridade e uma narrativa de “gestor do povo” construída à base de vídeos com trilha sonora de funk gospel e caminhadas no meio da rua como se fosse um líder messiânico digital. A fórmula parece simples: sorria, acene, grave. O eleitor já esqueceu o resto.
Mas por trás das câmeras — e talvez por baixo da mesa — o velho Brasil segue vivo. Operações da Polícia Federal em endereços ligados a religiosos próximos ao prefeito revelam mais de 800 mil reais em dinheiro vivo, suspeitas de corrupção e contratos com organizações sociais que, segundo o Ministério Público, formam uma teia entre o público, o privado e o sagrado. A fé, a gestão e o lucro andando de mãos dadas — como sempre. A diferença é que agora tudo isso acontece ao som de “trend”.
As investigações apontam que, entre 2021 e 2024, OSs (Organizações Sociais) que firmaram contratos com a Prefeitura movimentaram quase R$ 100 milhões. Essas entidades — muitas sem sede adequada, com endereços improvisados, outras criadas por figuras religiosas ligadas diretamente ao entorno do prefeito — foram contratadas para gerir unidades básicas de saúde e equipamentos sociais. A estrutura, segundo as apurações, parece ter sido montada não para servir, mas para drenar dinheiro público com o manto da fé e a chancela do populismo midiático.
É claro que Manga se defende. E é claro que a população, em parte, o defende também. Afinal, quem resiste a um político que grava vídeos ao lado da mãe e ajuda idosos na rua em câmera lenta com música de fundo? O Brasil tem memória curta — mas com filtro bonito, ele esquece ainda mais rápido.
É nesse ponto que mora o perigo. O carisma digital tem sido usado como escudo. O político midiático não precisa mais ser eficiente, ético ou institucional. Ele precisa ser viral. Porque o eleitorado, infantilizado por décadas de populismo, parece menos interessado em saber quem rouba, e mais interessado em quem responde comentários com coraçãozinho.
Mas é preciso dizer: os políticos não criaram esse jogo sozinhos. Nós entregamos o joystick. A sociedade brasileira ainda tem um fascínio masoquista pelo patrimonialismo, desde que ele venha sorridente e com emoji de foguinho. Reelegeríamos até o Collor se ele tivesse um bom roteirista para o Instagram.
E é aí que entra a real bronca. O problema não é só o político que finge governar enquanto atua. É o eleitor que finge cobrar enquanto assiste. Manga pode ou não ser culpado das acusações — a justiça dirá. Mas o Brasil é reincidente em aplaudir o espetáculo enquanto o cofre some nos bastidores.
A política virou feed. A corrupção, notificação. A indignação, comentário. Só falta agora o Ministério Público lançar uma playlist de investigações em Reels (talvez já exista).
Porque no Brasil 2025, o escândalo vem depois da legenda. E o aplauso vem antes da sentença.
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* Arthur Oliynik, bacharel em Direito, consultor e especialista em Vistos Internacionais.
Pós-graduando em Direito Tributário, Previdenciário e Reformas.
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