Opinião - Arthur Oliynik

Imigrar não é um salto cego — É um acordo com a História
O imigrante judeu-alemão que fugiu do terror

* Arthur Oliynik
Em um navio que deixava a Europa em 1933, um homem franzino, de olhar inquieto e cabelo já desalinhado, observava pela última vez o continente que o viu nascer. O regime nazista se fortalecia na Alemanha, e seu nome já constava em listas de perseguição. Refugiado, exilado, ameaçado — ele não trazia riquezas na bagagem, mas carregava algo que mudaria o curso da humanidade: a fórmula para entender o próprio tempo.
Nos Estados Unidos, onde encontrou asilo, esse homem não só contribuiu para a ciência como poucos na história, como também se viu diante de um dilema moral que definiria sua existência. Ao tomar conhecimento de que os nazistas poderiam estar desenvolvendo uma arma nuclear, ele redigiu uma carta ao presidente Roosevelt alertando sobre o risco. Essa carta, coassinada por Leo Szilard, seria a fagulha que iniciaria o Projeto Manhattan.
Albert Einstein — o imigrante judeu-alemão que fugiu do terror — jamais participou diretamente da construção da bomba atômica. Era um pacifista convicto, e mais tarde se arrependeria de ter incentivado qualquer esforço bélico. Mas sua influência, seu gênio e sua condição de imigrante foram essenciais para um dos eventos mais significativos do século XX: o fim da Segunda Guerra Mundial. A bomba lançada em Hiroshima matou inocentes, é verdade. Mas também encerrou um ciclo de horrores e impediu que a Alemanha nazista dominasse o mundo com sua sombra. Tudo isso, por causa de um imigrante.
Einstein, portanto, não apenas mudou a ciência — ele moldou os rumos geopolíticos do planeta. E não seria exagero afirmar: nenhuma barreira migratória, por mais moderna que fosse, teria previsto o impacto desse passageiro exilado no destino de tantas nações.
Diante disso, o cenário atual exige reflexão. A imigração é um tema que continua mobilizando paixões, políticas e medos. Em todo o Ocidente, assistimos ao enrijecimento de políticas migratórias. Há controles mais rigorosos nas fronteiras, deportações mais frequentes, e uma narrativa crescente de que o imigrante seria um fardo — ou, no mínimo, uma ameaça silenciosa. E no entanto, a mesma Europa que agora freia seus portões com vigilância e documentos, foi construída, reconstruída e sustentada por imigrantes em suas mais diversas fases históricas.
É importante ser honesto: sou favorável à existência de regras, critérios e estudos aprofundados sobre quem entra e como entra em um país. Segurança, soberania e estabilidade não são conceitos negociáveis. Mas esse debate precisa avançar para além das trincheiras ideológicas que colocam de um lado os que “fecham as fronteiras” e, do outro, os que idealizam um mundo sem limites territoriais. A realidade é mais complexa — e pede maturidade.
Mais do que regras, o que o mundo precisa é de uma reeducação da imigração. E isso vale para todos os lados. Os Estados devem desenvolver políticas que não apenas filtrem, mas também protejam. Que assegurem sua própria ordem interna, sem desumanizar aqueles que batem à sua porta. Mas os imigrantes, por sua vez, também precisam entender que o mundo de hoje não é mais o mesmo de ontem. Imigrar a qualquer custo, pular muros, fraudar vistos ou enxergar países como trampolins existenciais não é heroísmo — é imprudência. E mais do que isso: é uma falácia funcional. Afinal, não se produz um Einstein em cada fronteira.
Tomemos como exemplo o recente decreto da Itália, que restringiu o reconhecimento de cidadania por descendência. A justificativa foi direta: milhares de pessoas estavam obtendo a cidadania italiana sem nunca (ou pouco) pisar na Itália, sem se integrar à cultura, à economia ou à sociedade local. Era um documento usado apenas como status ou como chave de acesso à mobilidade internacional dentro da União Europeia ou aos Estados Unidos. Um símbolo vazio de pertencimento, que pouco ou nada tinha de vínculo real.
Os governantes foram eleitos para defender o interesse de seus povos e zelar por seus territórios. Eles não estão ali para ser simpáticos. Estão ali para governar. Por outro lado, o imigrante precisa compreender que ser bem-vindo não é um direito automático — é um benefício construído. Isso não é se curvar ao discurso xenófobo, é entender que hospitalidade e reciprocidade andam de mãos dadas.
O bom imigrante não é uma abstração. Ele é Einstein. Ele é Baekeland. Ele é o cozinheiro do restaurante, o pedreiro da esquina, o enfermeiro da UTI, o motorista do aplicativo. Ele é, ao mesmo tempo, necessidade e oportunidade. Riqueza humana e risco político. E exatamente por isso, precisa ser levado a sério.
Em tempos de guerra, polarização, escassez e medo — o mundo está rediscutindo suacs fronteiras. E isso não significa abandonar a solidariedade, mas reformular o modo como ela é oferecida. Se antes o impulso era abrir as portas, hoje a tarefa é abrir os olhos. E encontrar um caminho onde a proteção do território e a proteção do migrante não sejam opostos, mas complementares. E é por isso que, mais do que escolher lados, precisamos escolher a boa, respeitosa e velha maturidade.
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* Arthur Oliynik, bacharel em Direito, consultor e especialista em Vistos Internacionais.
Pós-graduando em Direito Tributário, Previdenciário e Reformas.
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