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Opinião - Arthur Oliynik

Heróis do Tesouro: Um sonho Ingênuo em um País que não recompensa sonhadores

Na teoria, um conceito admirável. Na prática, um exercício de romantismo fiscal completamente desconectado da realidade brasileira.

Foto: Freepik
Heróis do Tesouro: Um sonho Ingênuo em um País que não recompensa sonhadores O brasileiro não quer ser herói, não quer é ser enganado

*Arthur Oliynik

Kim Kataguiri sonha. E, para ser justo, sonha bonito. Seu projeto, batizado de “Heróis do Tesouro”, propõe que aqueles que desejam contribuir mais com o Estado possam fazê-lo voluntariamente, aumentando em pelo menos 5% sua alíquota de Imposto de Renda. Em troca, não há contrapartida fiscal, nenhum benefício concreto, apenas o título simbólico de “herói” ou “heroína do tesouro”. Um gesto de patriotismo tributário, um compromisso cívico. Na teoria, um conceito admirável. Na prática, um exercício de romantismo fiscal completamente desconectado da realidade brasileira.

O deputado defende que o projeto “fortalece o senso de pertencimento e engajamento social”, e que aqueles que acreditam que podem contribuir mais “tenham a oportunidade de fazê-lo”. A ideia, em um mundo ideal, poderia até ter algum mérito. Afinal, há países onde cidadãos, por convicção moral ou ideológica, de fato contribuem mais do que o mínimo exigido. Mas esses países operam sob um sistema de confiança mútua entre governo e sociedade, onde o Estado é percebido como um agente que devolve à população aquilo que arrecada. O problema do projeto não está na sua intenção, mas na sua falta de percepção do Brasil real.

Rousseau, em O Contrato Social, dizia que a força de um Estado não está no quanto ele arrecada, mas no pacto de confiança que estabelece com seus cidadãos. Quando essa confiança se quebra, o Estado deixa de ser um intermediário do bem comum e se torna somente uma estrutura de arrecadação, vazia de significado cívico. No Brasil, não se trata apenas da ineficiência do Estado ou de suas falhas na prestação de serviços públicos, mas de um elemento mais fundamental: a ausência de um laço de pertencimento entre cidadão e governo.

Se o projeto parte da crença de que há um espírito cívico latente no brasileiro médio que o fará contribuir mais do que já é obrigado, então ele ignora que esse mesmo brasileiro, ao longo de décadas, aprendeu que seu esforço raramente se traduz em melhorias concretas. O problema não é o cidadão não querer contribuir – é ele não enxergar sentido nisso.

Max Weber, ao analisar os fundamentos do Estado moderno, argumentava que a obediência voluntária à tributação nasce quando o governo se legitima através de suas ações, demonstrando competência e previsibilidade. Onde isso não ocorre, não há cidadania fiscal, apenas coerção tributária. O Brasil, nesse aspecto, não construiu uma relação em que os impostos pagos são percebidos como um investimento social. Assim, a lógica da contribuição voluntária se desfaz antes mesmo de se estruturar.

Mas há um fator ainda mais significativo que torna essa proposta completamente utópica: o jeitinho brasileiro, um fenômeno que não é apenas um traço cultural, mas uma resposta a um sistema que constantemente pune quem segue as regras e beneficia quem encontra atalhos. Michel Maffesoli, ao falar sobre o espírito comunitário das sociedades modernas, explica que as práticas informais muitas vezes emergem como mecanismos de resistência ao formalismo burocrático opressor. No Brasil, o compadrio, o privilégio e os lobbies empresariais junto aos órgãos fiscais não são meras distorções do sistema, mas uma consequência lógica da forma como ele foi construído.

O brasileiro não desvia imposto apenas porque quer pagar menos – ele faz isso porque sente que, dentro de um jogo de regras desiguais, essa é a única forma de manter sua competitividade e viabilidade financeira. O pequeno empresário que precisa pagar uma carga tributária sufocante vê, diariamente, grandes grupos empresariais conseguindo isenções e renegociações milionárias com a Receita Federal. O trabalhador autônomo que emite cada nota e paga seus tributos observa políticos e magistrados desfrutando de auxílios absurdos sem qualquer justificativa moral.

Em um sistema assim, a própria ideia de um “herói tributário” soa deslocada. O que significa ser um “herói” dentro de um modelo onde aqueles que mais contribuem não são recompensados, enquanto os que possuem acesso aos corredores do poder sempre encontram brechas para pagar menos? O verdadeiro herói, dentro dessa lógica, não é quem paga mais voluntariamente, mas sim quem encontra formas de sobreviver ao sistema sem ser esmagado por ele.

A proposta também ignora um elemento essencial: o que faz um imposto ser socialmente aceito não é a possibilidade de pagá-lo voluntariamente, mas a clareza sobre o que é feito com ele. Em um país onde a complexidade tributária é uma barreira para o próprio crescimento econômico, onde o cidadão comum luta para entender e cumprir suas obrigações fiscais, esperar que ele, por um espírito patriótico, pague ainda mais sem qualquer benefício concreto, é assumir que há um otimismo cívico que simplesmente não se sustenta na realidade.

Kataguiri pode acreditar que o brasileiro quer ser um “herói do tesouro”. Mas o que o brasileiro quer, na verdade, é um sistema tributário mais justo, mais transparente e menos burocrático. 

Sua proposta não reflete um problema de arrecadação, mas sim de percepção social. Antes de perguntar quem quer pagar mais, talvez a pergunta correta fosse outra: o que faria o brasileiro enxergar sentido nisso? Afinal, o verdadeiro heroísmo não está em pagar mais, mas em não se perder na ilusão de que generosidade fiscal conserta um sistema que se alimenta dela. Em outras palavras, o sonho de contribuir mais é somente mais um capítulo de um romance onde o cidadão sempre termina como o único personagem enganado.

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Arthur Oliynik, bacharel em Direito, consultor e especialista em Vistos Internacionais.
Pós-graduando em Direito Tributário, Previdenciário e Reformas. 


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