Publicidade

Opinião - Arthur Oliynik

Muita honra, pouca glória: A Europa não é flor que se cheire

Na prática, a Europa está longe de ser a potência que finge ser

Foto: Freepik
Muita honra, pouca glória: A Europa não é flor que se cheire A Europa enfrente dilemas externos e as relações externas também passaram por transformações profundas nos últimos anos

O discurso europeu sempre foi carregado de um tom moralista. Nos salões de Bruxelas, líderes se apresentam como os guardiões dos valores democráticos, defensores da civilização ocidental e a última linha de resistência contra o autoritarismo. Mas, na prática, a Europa está longe de ser a potência que finge ser. O que vemos hoje é um continente que, embora tente se vender como um bastião da liberdade, sofre de um declínio autoimposto e enfrenta crises internas profundas que minam sua autoridade no cenário global.

A guerra na Ucrânia escancarou essa realidade. Enquanto Emmanuel Macron tenta se posicionar como líder da “Europa unida”, seu próprio país — e todo o bloco — sofre com problemas estruturais, desde imigração descontrolada até uma dependência energética vergonhosa. O progressismo que dominou a política europeia nas últimas décadas trocou soberania por burocracia, segurança por utopia, e patriotismo por culpa histórica. O resultado? Um continente que implora por proteção americana enquanto luta para manter a própria estabilidade interna.

Mas há sinais de que essa estrutura pode estar prestes a mudar. O cansaço popular com políticas ineficientes tem gerado uma reação política visível, e os últimos anos demonstram um movimento gradual de rejeição às ideias que fragilizaram o continente. A Europa começa a flertar com novas lideranças que defendem uma abordagem mais realista e pragmática — menos idealismo, mais controle de fronteiras, menos discursos, mais segurança.

A figura de Emmanuel Macron, o ‘pitaqueiro’ amazônico, vem se moldando como a de um líder que deseja resgatar a grandeza europeia. Diante da guerra na Ucrânia, ele se tornou a voz mais estridente dentro da União Europeia, clamando por uma resposta dura contra a Rússia e insistindo que a Europa precisa se rearmar. Recentemente, chegou a sugerir que a França poderia compartilhar seu arsenal nuclear com aliados, algo impensável até pouco tempo. Mas o problema é que Macron não tem um exército para liderar essa guerra. A França, assim como a Alemanha e outras potências do bloco, passou décadas enfraquecendo suas forças armadas em nome de um pacifismo ingênuo. O próprio exército francês, que já foi uma potência militar indiscutível, sofre com problemas de recrutamento, falta de investimento e equipamentos obsoletos.

Enquanto isso, Macron enfrenta uma França profundamente dividida. Protestos constantes, crise econômica e o crescimento do sentimento anti-imigração dentro do país são indícios de que ele não consegue sequer governar sua própria nação com estabilidade. Como pode alguém que não tem controle dentro de casa se autoproclamar líder da resistência ocidental contra Putin? E, ainda que Macron tente se projetar como a principal liderança da Europa, o cenário político do continente começa a escapar de suas mãos. As últimas eleições e pesquisas indicam que a era das lideranças progressistas que prometeram um mundo sem fronteiras, sem exércitos e sem soberania pode estar com os dias contados.

A Europa está colhendo os frutos das decisões políticas que tomou ao longo dos últimos 30 anos. A ideia de que um continente inteiro poderia se sustentar em um modelo onde gastos sociais são prioridade absoluta e segurança nacional é um detalhe secundário agora se mostra uma ilusão perigosa. Durante anos, líderes europeus negligenciaram a defesa nacional, confiando que os Estados Unidos assumiriam esse papel. Em 2018, soldados alemães treinavam com vassouras no lugar de metralhadoras por falta de equipamento. Hoje, a Alemanha e outros países da UE precisam importar munição dos Estados Unidos, pois suas próprias fábricas não produzem armamentos em ritmo suficiente para uma guerra prolongada. Enquanto isso, a Rússia, mesmo sob sanções, mantém sua capacidade bélica e avança em território ucraniano.

O problema não está apenas na segurança militar. A Europa também cometeu um erro estratégico na sua matriz energética. A Alemanha abandonou a energia nuclear sob pressão da agenda ambientalista progressista, tornando-se dependente do gás natural russo, financiando Putin enquanto se dizia contra ele. A promessa de uma “transição verde” falhou miseravelmente, e agora a Europa precisa recorrer ao carvão e ao gás natural importado dos EUA e do Oriente Médio para evitar colapsos energéticos. Essa dependência de terceiros não condiz com o discurso de autonomia que o bloco tenta adotar.

Além da questão energética, a Europa enfrenta um grande dilema social. A imigração descontrolada gerou instabilidade e levou a um crescimento exponencial de partidos que questionam as políticas adotadas nas últimas décadas. Uma pesquisa da YouGov revelou que 81% dos alemães e 80% dos espanhóis acreditam que a imigração nos últimos dez anos foi alta demais. A Europa implementou um modelo de fronteiras abertas sem planejar como absorver milhões de imigrantes, resultando em aumento da criminalidade, conflitos culturais e sobrecarga no sistema de bem-estar social. Agora, governos tentam reverter essa política, mas enfrentam resistência de seus próprios setores progressistas, que ainda insistem que qualquer controle migratório é “xenofobia”. Mas, aos poucos, os ventos parecem estar mudando. A resistência contra essas políticas já não vem apenas de uma parcela minoritária da população, mas de um eleitorado cada vez mais expressivo, que exige mudanças concretas.

A Europa enfrenta dilemas internos, mas suas relações externas também passaram por transformações profundas nos últimos anos. A administração de Donald Trump veio para reafirmar algo que há tempos se desenhava: os Estados Unidos não estão mais dispostos a carregar a segurança europeia às custas de seu próprio orçamento. A pressão para que os países europeus aumentem seus gastos militares, a suspensão parcial da ajuda à Ucrânia e a imposição de tarifas sobre produtos europeus são sinais claros de que Washington espera que a Europa assuma maior responsabilidade pelo seu próprio destino. O bloco, por sua vez, tem o direito de questionar essa nova postura americana, mas também não pode ignorar a lição que ela ensina: nenhuma nação pode depender eternamente da generosidade alheia para se sustentar.

A Europa tem a capacidade de se tornar uma potência geopolítica autônoma, mas ainda enfrenta barreiras que são, em grande parte, fruto das escolhas feitas ao longo das últimas décadas. Se o bloco quer de fato ser soberano, precisa mais do que um discurso bem formulado: precisa reverter políticas que foram implantadas por seus próprios líderes. Isso significa abandonar a ideia de que segurança é um custo desnecessário, resolver sua crise migratória sem amarras ideológicas e garantir que sua economia não dependa de rivais geopolíticos.

Toda a ajuda da Europa à Ucrânia é honrosa, e há um mérito inquestionável na assistência militar e financeira ao país que luta para defender sua soberania. Mas a glória da Europa nesse conflito não está na força de suas ações, e sim na dependência de terceiros para concretizá-las. Os sinais de mudança estão no ar. 

A questão agora não é apenas se o bloco pode se tornar independente — mas seus líderes realmente terão coragem de fazer o que for necessário para isso? Se sim, vale as críticas aos Estados Unidos, mas não sejamos ignorantes em não aprender com ele.



LEIA TAMBÉM

Buscar

Alterar Local

Anuncie Aqui

Escolha abaixo onde deseja anunciar.

Efetue o Login

Recuperar Senha

Baixe o Nosso Aplicativo!

Tenha todas as novidades na palma da sua mão.