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A dor que não cabe em palavras: a escarificação como pedido de escuta

Uma dor que sangra, mas não grita. O gesto de cortar a própria pele, cada vez mais frequente entre adolescentes, ultrapassa a visão de rebeldia ou atenção — e exige do olhar clínico uma escuta verdadeiramente sensível.

Redaçåo Hoje Maringá
A dor que não cabe em palavras: a escarificação como pedido de escuta Foto: Reproduçåo / Freepik

Uma dor que sangra, mas não grita. O gesto de cortar a própria pele, cada vez mais frequente entre adolescentes, ultrapassa a visão de rebeldia ou atenção — e exige do olhar clínico uma escuta verdadeiramente sensível. É o que defendem os psicanalistas Bruno Cavaignac Campos Cardoso e Deise Matos do Amparo, autores do estudo Por uma escuta sensível: a escarificação na adolescência como fenômeno multifacetado, publicado no Jornal de Psicanálise (vol. 54, n. 101, 2021).

O artigo, baseado em entrevistas com jovens que se automutilam sem intenção suicida, apresenta a escarificação como um sintoma psíquico complexo, que vai muito além do corpo ferido. O corte, segundo os autores, revela dificuldades profundas na simbolização emocional, expressando aquilo que o adolescente ainda não consegue verbalizar.

“Trata-se de uma tentativa de cortar o sofrimento — transformar dor emocional em dor física”, explicam Cardoso e Amparo. O gesto não é racional, mas está inserido em uma cadeia de significados inconscientes, onde se entrelaçam fragilidade narcísica, impulsos erotizados e a busca por limites subjetivos.

O corpo como linguagem de emergência

Na adolescência, momento de transição e redefinição da identidade, o corpo passa a funcionar como palco e instrumento de expressão. A pesquisa aponta que a escarificação, nesse contexto, pode representar uma cartografia do sofrimento, delimitando contornos simbólicos quando faltam limites internos claros.

Inspirados por teóricos como Didier Anzieu, Donald Winnicott e André Green, os autores destacam a noção do “eu-pele”: a ideia de que a pele não é apenas uma barreira física, mas também um espaço de construção psíquica da identidade. Quando esse “invólucro” simbólico falha, o corte surge como tentativa de demarcar o eu, tornar-se visível, real, inteiro.

Múltiplas funções, um mesmo pedido: ser ouvido

Segundo Cardoso e Amparo, não existe um único significado para a escarificação. O comportamento pode servir para:

  • Reafirmação narcísica;

  • Expressão de agressividade erotizada;

  • Reconstrução corporal;

  • Pedido de ajuda silencioso;

  • Estabelecimento de limites psíquicos e afetivos.

Essa multiplicidade exige da clínica psicanalítica intervenções personalizadas, sustentadas por uma escuta que vá além do sintoma, compreendendo o que o corte quer comunicar. “É preciso escutar com atenção o que sangra — e o que se cala por trás do gesto”, escrevem os autores.

Contra a moralização, o acolhimento clínico

Um dos principais alertas do estudo é o risco de interpretações moralistas ou simplistas. Encaminhamentos pautados apenas na repressão do ato — sem compreender sua função simbólica — podem intensificar o sofrimento psíquico, afastando o adolescente do apoio necessário.

Por isso, a escarificação deve ser reconhecida como um grito de dor não articulado em palavras, que demanda um ambiente terapêutico de escuta empática, sem julgamentos, capaz de sustentar o desamparo e guiar a reconstrução de sentidos.

Conclusão: sofrimento que pede contorno

A escarificação na adolescência é, conforme define o estudo, um fenômeno multifacetado que expressa a intensidade do drama subjetivo dessa fase da vida. É um sintoma que fala do que não tem nome, e que precisa ser escutado com delicadeza, não silenciado com rigidez.

Tratar a automutilação apenas como “ato de rebeldia” ou “busca por atenção” é ignorar a dimensão psíquica que sustenta esse comportamento. Em vez disso, é preciso criar espaços de escuta que legitimem o sofrimento e apoiem o adolescente na construção de limites internos saudáveis — onde a dor já não precise sangrar para ser reconhecida.
Fonte: Cardoso, B. C. C.; Amparo, D. M. do. Por uma escuta sensível: a escarificação na adolescência como fenômeno multifacetado. Jornal de Psicanálise, São Paulo, vol. 54, n. 101, p. 221–237, 2021.

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